24 de abr. de 2011

Um pouco sobre questões disciplinares

"Vocês, garotos, se algum dia chegar no meu ouvido que vocês estão usando o karate pra brigar na escola, na rua, pra machucar alguém ou qualquer coisa assim, nós vamos ter uma séria conversa. NÃO usem o karate fora daqui sem necessidade".

Essa foi a frase que o meu Sensei usou para advertir garotos entre 6 e 12 anos, com poucas semanas de treino, para não utilizarem o karate fora do dojo. Ainda que tal frase tenha parecido impositiva a princípio, acredito que seria difícil que eles entendessem se fosse dito de outra forma, não apenas porque nesse caso em específico ele estivesse tratando com garotos indisciplinados, mas também para fazê-los pensar duas vezes antes de testar o que aprendem sem medir as consquências (ainda que a primeira que talvez viesse à cabeça de alguns deles pudesse ser "se meu sensei grandão e fortão ficar sabendo, ele vai me bater").

Brincadeiras a parte, todos nós, como karatekas, sabemos bem o que é e como se aplica o caráter disciplinar no karate dentro e fora do dojo. O próprio dojo kun é a evidência mais clara do cuidado que a arte tem com esse aspecto. Ainda sim, incidentes como aquele em que um 7º dan surrou um praticante de kung fu que venceu seu aluno na luta, eventualmente saltam aos nossos olhos.

Karatekas não são à prova de erros, mas é de se esperar que um praticante tenha um controle melhor sobre si mesmo em momentos de raiva, e tal controle vai (ou pelo menos deveria ir) aumentando paralelamente à evolução nos treinos. Um Sensei que peque em ensinar aos seus alunos princípios sobre autocontrole, ou no mínimo adverti-los que karate não é uma arma para ser usada em brigas fúteis, está negligenciando o pilar disciplinar mais importante do karate. Diferente das origens do boxe, desde sua formação histórica o karate não é nunca se propôs a ser uma "arte ou esporte de briga".

Também é comum que a tolerância a erros disciplinares cometidos por kohais novatos seja maior do que para um praticante com anos de treino, afinal eles estão apenas começando a absorver os preceitos da arte. É bom lembrar que ser kohai também não é desculpa para cometer abusos e cabe ao Sensei decidir sobre o tipo de corretivo a ser aplicado, quando for o caso.

Quanto à brigas fora do dojo, é sempre bom conhecer sobre as implicações e possíveis consequências legais. Leiam o artigo Karate X Direito e fiquem por dentro.

23 de abr. de 2011

O primeiro Homem do Karate

Takahara Peichin
Todas as linhagens de karate, em algum momento da história, se ramificaram a tal ponto que se tornou muito difíci encontrar uma origem em comum, uma pessoa ou escola que aparecesse como o primeiro embrião da nossa arte. Ele existe, mas não vamos falar de Sokon Matsumura. Trata-se de Satunuku "Tode" Sakugawa 佐久川 寛賀 (1733-1815).

Tode Sakugawa iniciou seus treinos em Okinawa-Te aos 17 anos com um monge chamado Takahara Peichin (1683-1760), sendo mais tarde recomendado pelo próprio mestre a treinar com um militar chinês, Kusanku, um mestre de Kenpo famoso por sua habilidade na luta. Kusanku não apenas ensinou sua arte a outros uchinanchu como também trouxe alguns alunos da China, popularizando assim o método de luta chinês em Okinawa. É dito que ele mesmo introduziu a famosa posição básica de manter o punho fechado na lateral do tronco e desferir um soco a partir dessa posição, bem como um método de luta, o Kumiai Jutsu, da qual era especialista.

Tode Sakugawa
Após alguns anos de treino, Sakugawa passou a ser conhecido como mestre em lutas chinesas, o Tode (ou Toudijutsu), subindo também os degraus da escala social para Chikudun Pechin (na antiga Okinawa, esse rank é equivalente a samurai), e tal competência lhe rendeu até mesmo o apelido da arte marcial que dominava. Nos primórdios do que viria a se tornar o karate, sabe-se que Sakugawa misturou técnicas do Okinawa-Te com lutas chinesas.

Aos 78 anos Sakugawa veio a conhecer Sokon Matsumura, o aluno que mais tarde seria apontado como o homem responsável historicamente por desenvolver os primórdios do que hoje conhecemos como karate. Mas os embriões da nossa arte jazem em Sakugawa.

22 de abr. de 2011

Insatisfação no karate esportivo

Porto Alegre foi palco recentemente da Copa Pódio de Karate, onde os melhores atletas nacionais se enfrentaram em "absoluto", ou seja, todos contra todos, sem divisão de peso. À primeira vista o evento tinha tudo pra impressionar, já que reunia atletas de alta performace, digamos, mas a decepção por parte de alguns karatekas esportivos foi marcante.

Os comentários esbanjados em redes sociais têm causado estranhamento de alguns veteranos: as lutas revelaram um "híbrido de karate, taekwondo e judo", segundo a visão dos mesmos, e os mais pessimistas entre eles vislumbram um futuro ruim para o esporte, já que este teria sofrido uma descaracterização. Seria uma tentativa torpe de ser/ter várias técnicas de artes diferentes e ao mesmo tempo não ser/ter nenhuma (realmente característica do estilo). Resta saber se essa foi uma consequência indireta da mudança de arbitragem promovida recentemente pela WKF e/ou se a mudança de regras datada em 2009 criou vazão para essa ligeira mudança na maneira de lutar dos competidores.

Um segundo objeto de reclamação geral foi o fato dos juízes e outras autoridades da organização em questão (CBK) estarem usando sapatos sobre o tatame, ainda que esta e a própria WKF seja contrária a esse tipo de atitude. A afronta a um tradicionalismo que até mesmo os karatekas esportivos respeitam à risca tem contribuído para despertar uma onda de questionamentos.

Vale mencionar que o boom causado pelo MMA tem encorajado os mais jovens a buscarem artes marciais para aprenderem luta, defesa pessoal ou para ficarem mais fortes, público esse que, anteriormente, tenderia a se interessar pelo karate esportivo por causa das Olimpíadas e cuja "grade" é bem menos exigente. Outro agravante seria a baixa procura dos karatekas dessa modalidade para grandes competições, de modo que menos de 5% dos karatekas do mundo todo (segundo a ITKF) visam o treino para competir profissionalmente, que é justamente o foco das federações do meio. Ou seja, em tese, descontando outros eventos e competições menores realizados pelas sub-organizações, a modalidade depende de um percentual baixíssimo de competidores para continuar existindo.

Obviamente é impossível dizer que o karate esportivo está à beira de um colapso ou da extinção, não apenas porque essa alteração no formato tenha conquistado a aceitação de uma boa parcela do público, mas também porque tal modalidade deu um passo importante na arbitragem visando diminuir um problema seríssimo que sempre existiu: a facilidade para burlar regras e "comprar" resultados, muito embora um dos âmagos do problema (lutas que permitem pouco ou nenhum contato) não tenha sofrido qualquer alteração. Os mais espertinhos vão continuar fingindo lesões afim de penalizarem seus adversários, algo extremamente comum e alvo de grandes reclamações entre aqueles que competem, desde sempre. Mas é possível, ainda que em baixa escala, que a modalidade sofra um esvaziamento gradativo por causa da nova onda dos jovens que "querem ficar fortes". Numa previsão otimista talvez essa seja a chance que muitos karatekas tradicionalistas têm pra poder voltar a puxar treinos mais pesados, não porque karate tenha qualquer semelhança com MMA, mas sim para satisfazer a esse novo público mais exigente.

Enquanto isso os mais velhos praticantes da modalidade esportiva, geralmente resistentes à mudanças, estão fadados a aceitarem  tais alterações se quiserem continuar sob a tutela das grandes entidades federativas nacionais e internacionais.

Leia mais sobre as alterações no sistema de arbitragem.
Conheça o regulamento vigente para as lutas desde 2009 
Assista a uma luta do evento

18 de abr. de 2011

Seiko Toyama Sensei - Um exemplo

Que a prática do karate traz grandes benefícios para o corpo e para mente, não é nenhum mistério. Mas existem alguns prodígios que servem pra provar a nata destes benefícios.

Uechi-Ryu é um estilo pouco difundido no Brasil e quando encontramos algum dojo acontece como na maioria dos estilos: dojos tristemente vendidos ao formato esportivo. Triste mesmo, porque o Uechi-Ryu é um dos estilos que mais impressionam tanto pela força quanto pela sua forma peculiar.

No Japão, porém, a forma original continua sendo preservada e o representante do Uechi-Ryu mais conhecido no ocidente é Seiko Toyama - 10º dan. Há aqueles que brincam dizendo que Toyama Sensei é o "mestre Kame do karate" (entendidos aqui são os que assistiam Dragon Ball), devido às suas impressionantes demonstrações: quando parado seu físico denuncia sua idade (74 anos, se formos levar em conta os últimos vídeos que circulam pela internet, em dezembro de 2011 ele completará 83). Quando inicia os movimentos de kata ou mesmo durante o aquecimento seus músculo saltam de forma impressionante. E não apenas isso, diferente do que acontece com muitos Senseis em idade avançada Toyama mostra que o tempo pouco limitou sua velocidade precisão. Toyama tem nas mãos o grande segredo da longevidade okinawana

Quem já viu um vídeo desse grande mestre sonha em chegar à velhice fazendo pelo menos metade do que Toyama Sensei é capaz de fazer. Quem não viu que conheça agora.

http://www.youtube.com/watch?v=jEmRVudozKA&NR=1